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Desperdiçamos potencial em terra
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- Criado em 03/07/2014
A revolução do shale gas nos EUA despertou o mundo para o potencial das fontes não convencionais terrestres e deu início a uma corrida pelas novas fronteiras do gás, em diferentes países do globo. No Brasil, nem os mais otimistas esperam repetir o sucesso norte-americano. Entretanto, abrir mão de um planejamento para a indústria onshore nacional pode significar a perda de atratividade não somente de investimentos no gás não convencional, mas de toda a cadeia de exploração e produção das reservas convencionais.
Na América Latina, o Brasil provavelmente dividirá as atenções por investimentos no onshore com Argentina, Colômbia e México. Esses países são apontados com destaque pelo Departamento de Energia (DOE, na sigla em inglês) dos EUA como mercados potenciais para o desenvolvimento de recursos convencionais nas próximas décadas e já se movimentam, no planejamento político e regulatório, para atrair investidores.
"O Brasil não é o único que está tentando atrair investimentos. O mundo todo está correndo atrás do não convencional. E qual o nosso diferencial? Temos de vender o Brasil, correr atrás de investidores para dar a escala necessária a essas áreas no país", opina o professor pesquisador do Grupo de Economia da Energia (GEE) da UFRJ, Edmar de Almeida.
Olhar para os fatores que fizeram dos EUA o país do shale gas pode ajudar a entender melhor o caminho a seguir. A experiência americana combina aspectos como infraestrutura, estímulo a P&D, uma cadeia de fornecedores ampla, mas, acima de tudo, esforços exploratórios.
Exploração convencional
Sem a oferta constante de áreas, não há como desenvolver o gás não convencional – e nem mesmo o potencial convencional.
"A exploração e a produção só avançam para o não convencional quando se esgotam os recursos convencionais. Para se explorar o não convencional adequadamente, são necessários milhares de poços, que vão indicar onde estão os folhelhos com matéria orgânica de alto teor. No Brasil, na maioria das bacias ainda não foi esgotada a pesquisa dos convencionais", explica o geólogo Pedro Zalán, da ZAG Consultoria.
E nós temos ainda muito a fazer na exploração convencional terrestre. Um calendário regular de rodadas – a ANP pretende lançar um em 2015 – é essencial para aumentar o conhecimento geológico e não apenas dar ritmo às campanhas de perfuração, como escala ao mercado fornecedor de bens e serviços para a indústria.
A oferta de áreas não é um fator pequeno. Com 210 blocos exploratórios sob concessão nos dias atuais, 123 dessas áreas foram arrematadas na 11ª e na 12ª rodada da ANP, realizadas no ano passado. Ou seja, mais de 50% do total de áreas ainda não está demandando bens ou serviços.
Os demais blocos sob concessão foram arrematados nos bids realizados em 2005, 2007 e 2008 e, grande parte, está com seus prazos exploratórios terminando. Sem áreas, não há demanda de bens e nem serviços.
A indústria de sondas terrestres, por exemplo, vem sentindo bem o baque pela falta de áreas a serem exploradoras. Diversas empresas já deixaram o país nos últimos anos por não conseguirem colocar suas sondas para operar.
Uma regulação própria para o segmento, já que as empresas que atuam no setor não têm a mesma capacidade investimentos e pesquisa que as empresas do offshore, também é pertinente. Aliás, esse projeto está previsto na lei que aprovou o marco regulatório do pré-sal e até hoje não foi regulamentado.
A ANP publicou recentemente resolução que define os critérios para um produtor de petróleo ser enquadrado como empresa de pequeno ou médio porte. A agência estabeleceu limite de 1.000 boe/dia anual para enquadrar um produtor como de pequeno porte e de 10 mil boe/dia para médio porte.
Baseada no critério do mercado canadense, a Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás (ABPIP), defendia o patamar de 5 mil barris/dia para pequenos produtores e 50 mil para os médios, restrito aos operadores B, C, D. Já a Partex, considerou satisfatório o limite de até 1 mil barris/dia de produção para os pequenos.
Assegurar um teto maior está diretamente ligado à retomada de crescimento do mercado, a partir da realização de novos leilões, na avaliação da indústria. "Não há risco de que o fomento ao mercado acabe beneficiando empresas de maior porte. Estamos propondo a metade do que é estabelecido no mercado canadense e é preciso ter em mente que essas empresas são muito ágeis. A PetroRencôncavo, por exemplo, dobrou sua produção em apenas um ano", afirma Anabal Santos Júnior, executivo da ABPIP.
Na contramão da indústria, representantes da área jurídica da Petrobras defenderam que o limite de produção fosse estabelecido por campo e não por empresa. A posição da estatal gerou críticas da indústria e da ANP. A agência reforçou que o benefício é para pequenos e médios produtores e não para as grandes empresas.
Dotar a indústria de exploração em terra em capacidade de pesquisa e desenvolvimento também é fundamental. Com uma produção pequena, nenhuma dessas empresas têm hoje capacidade para investir em P&D.
Nos EUA, no National Energy Technology Laboratory (NETL) – órgão do governo federal – pesquisa em parceria com as pequenas e médias empresas tecnologias para serem aplicadas tanto no onshore quanto no offshore. Estima-se que a cada dólar investido em P&D por lá o governo tenha um retorno de US$ 13.
"Os produtores independentes não tem condição de investir em P&D. Essa é a nossa função", diz Maria Vargas, responsável pela área de Óleo e Gás do NETL.
Existem hoje 8.318 poços terrestres em operação no Brasil. A Petrobras opera 8.146 destes poços. Depois dela, a Petrosynergy e a UTC são as principais operadoras do país, com 39 e 27 poços produtores, respectivamente.
A falta de áreas afeta até mesmo a gigante Petrobras. A empresa está com sua produção terrestre estagnada em 200 mil barris/dia há anos.
O desafio do shale
A exploração da Bacia do São Francisco, onde se concentra a maior expectativa em torno do gás não convencional no país, ilustra bem a diferença do ritmo de E&P entre Brasil e EUA. As primeiras campanhas de fraturamento na região devem começar entre o final deste ano e o início de 2015, cerca de oito anos após a retomada da atividade exploratória na bacia. Já nos EUA, entre 2007 e 2012, a produção anual do shale gas cresceu 703%, de 1,29 trilhão de m3 para 10,37 trilhões de m3. Só na Louisiana, a produção saltou de 1 bilhão de m3 para 2,2 trilhões de m3, segundo informações da Administração de Informação de Energia (EIA, na sigla em inglês).
P&D
A oferta de novas áreas, contudo, não basta para o desenvolvimento da indústria onshore. Almeida alerta para a necessidade de repensar o financiamento das empresas. Com a crise de confiança da OGX e da HRT, o pesquisador acredita que as produtoras independentes, presentes na 11ª e 12ª rodadas, possam ter mais dificuldade no acesso ao crédito, e que o governo poderia atuar com mais presença no financiamento dessas petroleiras.
"O governo poderia estruturar um fundo de private equity, com participação do BNDES, para investir em algumas empresas com melhor prospecto exploratório. O P&D é outra dimensão importante", comenta o professor da UFRJ.
Nos EUA, o incentivo à pesquisa e à inovação tecnológica foi essencial para desenvolver o shale gas e remonta ao final da década de 1970, quando o governo americano passou a investir no desenvolvimento dos recursos não convencionais, em resposta à crise energética do país.
Como as empresas privadas não tinham fôlego para grandes investimentos em P&D e os custos de produção do shale gas ainda não competiam com as fontes convencionais, o governo dos EUA financiou programas de pesquisa que ajudaram, nas décadas seguintes, a desenvolver e aprimorar algumas tecnologias-chaves, como o fraturamento hidráulico, a perfuração horizontal e a sísmica 3D.
Os gastos federais com P&D na área de energia fóssil subiram quase dez vezes entre 1974 e 1979, passando de US$ 143 milhões para US$ 1,41 bilhão, segundo dados do Laboratório Nacional de Tecnologia em Energia (NETL, na sigla em inglês).
Infraestrutura
Fora a aposta em inovação, a revolução do shale gas americano não teria saído do papel se não houvesse uma infraestrutura consolidada para escoar a produção. No Brasil, contudo, o MME já avisou que novos projetos de transporte somente sairão do papel depois de as descobertas serem declaradas comerciais. Entre os agentes do mercado, a preocupação é que o ritmo de proposição, licitação e construção de novos gasodutos de transporte não acompanhe o ritmo dos produtores onshore.
O projeto Itaboraí-Guapimirim, o primeiro gasoduto proposto pelo Plano de Expansão da Malha Dutoviária (Pemat), por exemplo, só deve ser licitado no primeiro trimestre de 2015, quase um ano após sua proposição pelo ministério. "Faz parte da curva de aprendizado de uma primeira licitação", defende a diretora do Departamento de Gás Natural do MME, Symone Araújo.
Para Zalán, o planejamento da indústria onshore deve passar, obrigatoriamente, pela infraestrutura. "O governo não pode oferecer apenas áreas. Tem de oferecer alternativas concretas para a monetização do gás", comenta.
O consultor defende que o governo assuma um papel de planejador da expansão da malha de transporte, como também aposte em políticas públicas que apresentem opções de monetização das descobertas.
Meio ambiente
Outro desafio não menos importante para a indústria onshore nos próximos anos é o licenciamento, a cargo dos órgãos estaduais. "Existe uma assimetria de informações entre os órgãos ambientais sobre o fraturamento. Precisamos trabalhar isso", comenta o superintendente de Gás da Cemig, Anderson Fleming.
O setor também tem manifestado preocupação com a judicialização do tema, que já afeta as campanhas convencionais. No final de maio, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação civil na Justiça Federal pedindo a suspensão das atividades exploratórias das empresas que arremataram blocos na Bacia do Paraná na 12ª rodada da ANP (Copel, Petrobras, Bayar, Cowan, Petra e Tucumann), em função dos potenciais riscos ao meio ambiente, à saúde humana e à atividade econômica regional de um eventual fraturamento hidráulico.
Brasil Energia Petróleo e Gás - 27/06/2014 - André Ramalho / Cláudia Siqueira